A NARRATIVA TRANSMÍDIA EM DETONA RALPH



O cinema e a tecnologia estão sempre buscando novas maneiras de expandir a experiência do consumidor/usuário, e muitas vezes caminham juntas nesse sentido. É nesse contexto que se insere o fenômeno conhecido como "narrativa transmídia”, abordado por Henry Jenkins no livro Cultura da Convergência:

Uma história transmídia desenrola-se através de múltiplas plataformas de mídia, com cada novo texto contribuindo de maneira distinta e valiosa para o todo. Na forma ideal de narrativa transmídia, cada meio faz o que faz de melhor – a fim de que uma história possa ser introduzida num filme, ser expandida pela televisão, romances e quadrinhos; seu universo possa ser explorado em games ou experimentado como atração de um parque de diversões. Cada acesso à franquia deve ser autônomo, para que não seja necessário ver o filme para gostar do game, e vice-versa. Cada produto determinado é um ponto de acesso à franquia como um todo. A compreensão obtida por meio de diversas mídias sustenta uma profundidade de experiência que motiva mais consumo. A redundância acaba com o interesse do fã e provoca o fracasso da franquia. (p.141)

Para possibilitar uma experiência completa, a narrativa transmídia depende necessariamente do engajamento do espectador, que irá buscar em outros produtos relacionados à franquia experiências complementares ao microcosmos apresentado inicialmente, se desdobrando em maiores detalhes, causas ou consequências da trama, personagens, espaços e relações.

Desde os anos 80 a Walt Disney Pictures analisava a possibilidade de fazer um filme de animação envolvendo o universo dos videogames. Passando por diversas mudanças, o projeto chegou às telonas no ano de 2012 sob o nome de "Detona Ralph". Para além do roteiro e história central (pouco importante aqui), o que vai no interessar neste caso é a premissa de reunir em um mesmo filme referências (de personagens e cenários aos chamados "easter eggs") à outros universos, tanto dos games quanto do cinema. Algumas delas serão reconhecíveis apenas para um público geek/nerd e maior de idade, que não representa a maior parcela do público consumidor (infanto juvenil).

O primeiro filme conta com diversas "participações especiais"  de uma série de personagens licenciados de jogos de vídeogame hoje consagrados, como Pac-Man, Sonic the Hedgehog e Super Mario Bros. A sequência, WiFi Ralph: Quebrando a Internet, que sai em breve, fará referência a cultura da internet e a diversas propriedades da Disney, incluindo de seus próprios filmes. Personagens de filmes da Pixar, da franquia Star Wars, Marvel Comics e Os Muppets terão aparições no filme.

Houveram estratégias de marketing e divulgação anteriores ao lançamento do filme, como colocar um fliperama envelhecido com o jogo Conserta Félix Jr (parte do filme). em exibição no salão de uma exposição mundial sobre eletrônicos, lançado também em flash e com versões para iOS e Android. Em paralelo ao lançamento do filme, a Disney divulgou um jogo de plataforma chamado Wreck-It Ralph para Wii, Nintendo 3DS e Nintendo DS, que teve muitas resenhas negativas. O jogo side-scrolling estilo arcade foi produzido em colaboração entre a Disney Interactive e Activision e serve como uma sequência para o filme. Tendo lugar após os acontecimentos do filme, os jogadores podem jogar como "Ralph" ou "Fix-It Felix", causando ou reparando danos, respectivamente. Os níveis do jogo são baseadas nos cenários do filme.

A escolha pela transmídia em um caso como esse (diferente de experiências como Matrix) se dá muito mais por questões mercadológicas. A Disney não está interessada em acrescentar novos desdobramentos ao universo e história apresentados inicialmente, meramente "pela arte". Isso se constata pela pouca profundidade/complexidade dos jogos, por exemplo, alvo inclusive da crítica especializada. O foco é prospectar possibilidades ainda maiores de lucro, visando o público infanto-juvenil que consome esse tipo de produto e movimenta uma boa parte do capital da indústria do entretenimento.

Sobre isso, também discorre Jenkins:

Produtos de franquias são orientados demais pela lógica econômica e não o suficiente pela visão artística. Hollywood age como se tivesse apenas de proporcionar mais do mesmo, imprimindo (...). Na realidade, o público quer que o novo trabalho ofereça novos insights e novas experiências. (p.151)


Como pode-se perceber, desde a publicação da obra, apesar das mídias estarem em constante evolução, o desafio da construção de narrativas transmídia no cinema permanece uma empreitada ambiciosa e ousada, com resultados ainda muito dificeis de prever. As próximas gerações devem fazer um trabalho muito melhor, à medida que caminhamos para uma sociedade com mídias cada vez mais integradas, naturalmente.


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