A REALIDADE DO VIRTUAL EM MATRIX

Não é de hoje que o cinema vem abordando temáticas relacionadas à cibercultura em suas produções. O exercício de imaginar elementos futuristas e cenários especulativos, que se diferenciam do momento presente em face do impacto sociocultural provocado pelas novas tecnologias, sempre exerceu grande fascínio sobre os homens.

Fazendo uma ligeira retrospectiva pela história da sétima arte, é fácil relembrar alguns títulos importantes que investiram nessa temática como Alphaville (Godard, 1965), 2001 - Uma Odisséia no Espaço (Kubrick, 1968), Blade Runner (Scott, 1982), dentre outros.

Diante dessa miríade de possibilidades, entretanto, o filme escolhido para balizar esta discussão foi Matrix por se adequar muito bem ao propósito desta postagem.


Em 1999, sem grandes pretensões, chegava às salas de cinema o primeiro filme da trilogia Matrix, roteirizado e dirigido pelos irmãos Lilly e Lana Wachowski. O filme, à época de seu lançamento, imediatamente despertou o interesse do público, conseguindo arrecadar mais de US$ 400 milhões nas bilheterias aos redor do mundo.

O grande sucesso de público e crítica conquistados fez o filme, com o decorrer dos anos, passar a ser lembrado como uma das melhores produções do gênero ficção científica já produzidas pelo cinema.

Com um orçamento estimado em US$ 63 milhões, Matrix apresentou um padrão estético cyberpunk que, embora não tenha sido novidade no cinema, conseguiu sintetizar bem as principais referências extraídas da cultura pop vigente à época. Além do que introduziu diversas técnicas inovadoras de efeitos especiais, as quais influenciaram outras produções lançadas anos mais tarde.

Talvez a mais importante dentre elas, tenha sido o efeito bullet time (tempo de bala), aplicado à icônica cena cujo personagem Neo é visto, a partir de ângulos diversos e sequenciais, desviando-se de balas em câmera lenta. Daí então, esse tipo de recurso passou a ser amplamente utilizado em diversas produções, sobretudo, dos gêneros ação e ficção científica.

Efeito bullet time

A despeito da importância das inovações técnicas e estéticas trazidas por Matrix, o que realmente o faz servir de mote interessante para esta postagem é a sua trama. A bem da verdade, o filme não consegue fugir aos clichês que normalmente dão significado à ficção científica no cinema. Ao apresentar questões relacionadas à cultura tecnológica e informacional, toma por base a mesma perspectiva cultural forjada no decorrer do século XX no tocante a temáticas como controle tecnológico e relações sociais, futuros distópicos, inteligência artificial, etc. Contudo, obtém êxito ao contar uma história que busca explorar as fronteiras entre o real e o virtual a partir do entrelaçamento entre referências ciberculturais e filosóficas acerca da ontologia do conhecimento humano.

Simulacros e Simulações, de Jean Baudrillard

A referência mais explícita surge na cena em que o personagem Neo esconde disquetes no fundo falso de um livro intitulado Simulacros e Simulações, mesmo título da obra do filósofo francês Jean Baudrillard. Há ainda quem interprete a trama a partir da “Alegoria da Caverna descrita por Platão em A República.

Para aqueles que já se esqueceram ou que por algum motivo não assistiram ao filme (possível, mas improvável), a história contada diz sobre um futuro distópico, em que máquinas inteligentes usam e controlam a humanidade, drenando a energia produzida pelo seu sistema nervoso, ao simular uma realidade virtual profundamente imersiva que embota a consciência e as percepções sensoriais dos humanos, fazendo-os crer que a realidade é o próprio ambiente simulado construído por um sistema de inteligência artificial denominado Matrix.

Mas o que seria realidade virtual? Bem, no contexto do filme, a noção de realidade virtual é considerada na acepção corrente e amplamente utilizada no dia a dia, que se define a partir da sua contraposição à noção de mundo real. Sendo assim, o termo virtual é empregado em seu uso comum para significar a ausência de existência.

O que corrobora esse argumento é a percepção de que há uma progressiva desmaterialização do mundo. Esse processo configura uma realidade constituída por bits em substituição aos átomos da natureza física, e cuja interface e demais processos de interação são mediados por computadores. Os combates, tiroteios e constrangimentos espaço-temporais enfrentados por Neo e os demais personagens na trama, por exemplo, são construções simuladas criadas a partir de uma linguagem de programação baseada em um código binário.

Para o pensador francês Pierre Lévy, no entanto, a oposição entre virtual e real é equivocada, uma vez que o virtual não tem como oposto o real e sim o atual. Lévy destaca que é virtual aquilo que existe apenas em potência e não em ato. Portanto, a virtualização em nenhuma circunstância pode ser confundida com o desaparecimento da realidade ou com a ilusão, uma vez que continua a existir, porém de modo desterritorializado, na passagem da concretização efetiva a um estado de existência que enseja a constituição de uma nova realidade ainda indefinida.

Por suscitar tantas questões interessantes sem ser maçante, e por garantir ao espectador incríveis cenas de ação repletas de efeitos especiais, Matrix se tornou um fenômeno da cultura pop e conseguiu se firmar como um dos melhores filmes de ficção científica já produzidos pelo cinema. 

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